quarta-feira, 28 de julho de 2010

CIRCO NA PRAÇA

Flávio Tavares*
A grande tragédia da política e da administração pública é ter, sempre, as pessoas erradas nos lugares certos de certos lugares. É como se, no circo, o palhaço domasse os leões!
Escrevi isso, aqui, ao início da campanha eleitoral de 2006, ao discordar dos que comparam a atividade política a um circo. Frisei: o circo é algo sério; exige engenho e arte, treinamento e disciplina, coerência e precisão. Aqueles homens e mulheres no trapézio, nas argolas de fogo ou na destreza da pirueta, prepararam-se para nos transmitir a sensação de que o ser humano tem poderes até nas travessuras do palhaço.
Em quatro anos, tudo se solidificou ainda mais. O circo continua a exigir coerência e integridade. Na atividade político-partidária, os conluios esdrúxulos se multiplicaram. Hoje, na promiscuidade eleitoral já não se sabe quem é quem. O passado não vale; o futuro é a névoa do presente. Só é claro o absurdo, e as vantagens são a única meta.
Ouvi agora o “jingle” da campanha de Fernando Collor para governador de Alagoas. A música é pobre mas pegadiça, e o refrão é uma sucinta enciclopédia da desmemória brasileira: “É Lula apoiando Collor,/ é Collor apoiando Dilma/ pelo bem dos carentes,/ e é Dilma apoiando Collor/ e os três para o bem da gente”.
Nada melhor do que a eleição de presidente, governadores e senadores para mostrar que não há partidos políticos no Brasil. Os aglomerados disformes registrados como tais reúnem, mais do que tudo, ambições pessoais, não propostas de organização da sociedade. Não há tradição nem linha partidária e os adversários de ontem viram irmãos siameses hoje.
A “base aliada” do governo Lula da Silva, por exemplo, reúne 12 partidos. Vão do PT ao PMDB (ambos conhecidos de sobejo) ou do PDT (fundado por Brizola como opção socialista-democrática) ao PP (herdeiro dos 21 anos de ditadura direitista), além dos outros comensais das migalhas do banquete.
Essa mixórdia transmite-se às eleições presidenciais. O PP de Paulo Maluf, por exemplo, apoia Dilma Roussef, candidata do PT-PMDB, mas “informalmente”. Ou seja, se o outro candidato vencer, apoiará o governo de José Serra, do PSDB.
Entre nós, Yeda Crusius teve no governo multicoloridos partidos que, após usufruírem do poder, apearam do estribo formando montaria própria para enfrentá-la na reeleição. Como? Eles não eram “governo” também?
O apego ao poder é a característica de nossos políticos. Depois de provarem o sabor de governar, não vivem sem cargo público.
Altos cargos de grandes empresas públicas abrigam políticos sem nenhuma relação profissional com suas atividades. Dias atrás, a imprensa comentou o caso do ex-governador Alceu Collares, conselheiro da hidrelétrica de Itaipu, cobiçada sinecura de R$ 30 mil mensais. Ex-carteiro dos correios e bacharel em Direito, o Conselho de Itaipu só lhe exige participar de reuniões bimestrais.
Em artigo neste espaço, dias atrás, o empresário Paulo Vellinho advertiu aos governantes: “Em vez de artifícios sociais e econômicos, busquem a eliminação das desigualdades pela valorização do trabalho e a qualificação humana”. E com a lucidez da experiência, confessou: “Constrange-me ser brasileiro, um país que não teve coragem de eleger seu povo como principal objetivo da nação”.
Por tudo isto, no próximo horário eleitoral, se houver palhaços, não pensem no circo.
*Jornalista e escritoranteriorlista

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