segunda-feira, 8 de março de 2010

Ditadura de barbas brancas

08 de março de 2010 N° 16268 JORNAL ZERO HORA

Ditadura de barbas brancas, por Paulo Brossard*

Ainda não foi assimilado nem esquecido o triste espetáculo de que foi protagonista o honrado senhor presidente da República na ilha de Fidel. Voltou a Cuba, desta vez para uma visita reverencial ao velho caudilho que, na metade do século passado, comandara a demolição da torva ditadura de Fulgêncio Batista, para dar lugar à sua, tão ditadura como a anterior.
Chegado ao poder por via das armas, sem demora surpreendeu o mundo ao integrar-se ao bloco soviético, então em pleno fastígio. No continente americano, converteu-se no escritório de luxo do estalinismo. E ia tudo de vento em popa quando Kennedy enfrentou a emergência de maneira a não deixar dúvidas, e as armas atômicas a serem instaladas nas imediações dos Estados Unidos tiveram de retornar às estepes. Uma longa troca de palavras sem haver diálogo se estendeu no tempo, e Cuba – e seu caudilho – continuou a ser o que passara a ser. O muro de Berlim foi erigido e desfeito, e Cuba continuou como era. A cortina de ferro dividiu a Europa e enferrujou, e Cuba prosseguiu inamovível. O estalinismo, que chegou a ser a maior força internacional, acabou entre o sangue dos seus crimes e a podridão da venalidade, e Cuba se manteve impertérrita. O comandante Fidel, mundialmente festejado pela esquerda mais exacerbada, conservou todo o instrumental dos países totalitários, até que, visivelmente envelhecido, recolheu-se a uma bela vivenda, onde recebeu as afetuosas homenagens do presidente do Brasil e de seus confrades mais chegados; em prova de familiaridade, serviu do fotógrafo da visita, esquecido de que era chefe de Estado e o presidente é presidente em qualquer lugar e especialmente quando fora do seu país. Mas, afinal, o presidente é “o cara”, e “o cara”, afeito a fazer o que lhe apraz, não se sujeita às regras da decência da função. Eis senão que, aconteceu o que Machado de Assis chamou de “uma espécie de deus avulso”, o imprevisto. O pretenso porta-bandeira dos “direitos humanos”, inadvertido, quem sabe, de que em Cuba os “direitos humanos” são de fabricação estalinista, emudeceu em todas as línguas no exato momento em que um preso político morria na prisão ao cabo de 85 dias de greve de fome. O Granma, ou seja, o jornal oficial da ilha, não publicou uma palavra a respeito, e de contrapeso cem pessoas foram presas para que não pudessem comparecer ao enterro de Orlando Zapata.
Mas o fato serve para testemunhar o fenômeno de servilismo mental a que se reduzem certos segmentos humanos, a despeito dos bem-dotados. Finda a guerra, servida por sua quinta-coluna, a URSS se apoderou de largos territórios além dos Urais, e Stalin foi endeusado em prosa e verso como “o guia genial dos povos”; o sinistro Muro de Berlim foi saudado como um monumento à liberdade, e muitas pessoas, intelectuais inclusive, jornalistas sem conta, durante anos repetiram os ditirambos ao “pai dos povos”, até que os deuses de barro ruíram como suas estátuas de bronze, enquanto pessoas ilustradíssimas, estalinistas até a véspera, parece terem ganho óculos novos e passaram a ser antiestalinistas de corpo e alma. Eu vi isso, todo mundo viu. Mutatis mutandis, o fenômeno se repete, repete-se monotonamente.
O presidente do Brasil permaneceu mudo enquanto pôde, e depois que o sota-comandante Raúl declarou que a morte do preso político em greve de fome “era lamentável”, parece ter usado as mesmas palavras, “era lamentável” e mais não disse.
Agora, digo eu, foi uma visita lamentável, muito lamentável.

*Jurista, ministro aposentado do STF lista

2 comentários:

  1. Caro amigo, antes de comentar o fato em si, permita-me opinar sobre a circunstância do Lula fotógrafo.
    Acredito que a postura do Luiz Inácio, geralmente considerada "informal" em vista da sua (dele) personalidade mais se assemelha ao desprezo que os ditadores (ou candidatos a ditadores) dispensam às instituições consagradas pela democracia representativa.
    Para Luiz Inácio, a presidência da república não representa uma instituição a ser respeitada. Ele trata o cargo como qualquer tiranete trata a res pública: como seu reino pessoal e quem dera, instransferível. "O cara" se considera um xeique.

    Quanto à postura do presidente-fotógrafo em relação à morte do prisioneiro político cubano, não há o que estranhar.

    Há anos o Luiz Inácio fecha os olhos e os ouvidos para o clamor dos cidadãos cubanos massacrados pelo jurássico e assassino ditador. Há anos, Luiz Inácio vê indivíduos serem presos e mortos por discordarem do amigo de Stálin.
    Há anos, Luiz Inácio faz ouvidos moucos à miséria cubana, material e ideológica.
    E assim age porque lhe interessa o apoio destes tiranos para seu projeto político que, gradualmente, quer implantar no Brasil, a tão sonhada (por gente do nível dele) ditadura do proletariado. Basta ver a história da primeira-candidata, a mãe do apagão.
    Por que Luiz Inácio iria repudiar seu amicíssimo Fidel? Só porque alguém "se deixou morrer" de fome? Ora, isto é apenas "lamentável".
    Sabe, amigo, acredito que em minha longa vida, jamais conheci alguém tão cínico e malévolo quanto este indivíduo que nos governa.
    (Perdoe-me pelo desabafo).

    beijos

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  2. Como sempre brilhante, a Saramar fala com clareza o que esse indivíduo é. Um admirador de tiranetes sul americanos mais por conta de ser o fundador, junto com o coma-andante do foro de são paulo.

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