segunda-feira, 29 de março de 2010

A DOENÇA, O DAIME E A TRAGEDIA

29 de março de 2010 N° 16289 ZERO HORA

 Germano Bonow* e Manuela Dávila**

A tragédia que nos tirou o traço arguto, inteligente e sarcástico do Glauco tem sido encarada ora como uma consequência do uso do chá do daime, ora como um surto psicótico apenas, ora como uma tragédia. Um exame mais profundo mostra que as três versões se coadunam.
O uso do chá, considerado sagrado para os frequentadores da igreja de Glauco, tem sido apontado como o gatilho do surto do jovem que tirou a vida do cartunista. Seu uso pode ter sido o desencadeador do surto, mas não foi o único fator. É preciso que separemos nosso receio e desconhecimento do preconceito. A ayahuasca, o chá produzido pela infusão do cipó Banisteriopsis caapi (também chamado de jagume ou mariri) com a folha de um arbusto, o Psychotria viridis (conhecido como chacrona), é usada de forma ritual por dezenas de etnias indígenas há pelo menos 300 anos. Seu uso apenas para fins religiosos foi liberado e regulamentado em janeiro deste ano.
Mas o assassinato de Glauco mostra que é preciso que a regulamentação de seu uso preveja e evite o desencadear dos surtos nos portadores de transtornos mentais.
Transtornos estes que estão sendo criminalizados por setores da mídia. O caso de Carlos Eduardo Sundfeld Nunes parece estar muito longe de uma dissimulação. Segundo sua família, ele já havia apresentado sinais claros de perturbação mental e um histórico familiar de esquizofrenia.
A desinformação é a grande vilã nesses casos, pois impede que as famílias possam agir de forma a antecipar casos como o de Carlos Eduardo. Por outro lado, a omissão da saúde pública no país, nos Estados e municípios, no tratamento e recuperação de drogados faz com que a população busque, cada vez mais, socorro nas igrejas, seja no espiritual ou no tratamento.
Por fim, é preciso que este crime sirva de alerta à nossa sociedade, que prefere não ver que os problemas de saúde mental existem e muitas vezes escamoteiam o debate sobre drogas como um assunto apenas policial.
Muitas vezes, nossa sociedade busca criminalizar as vítimas, as religiões e até mesmo os portadores de doenças mentais, mas tentar tapar este sol com a peneira vai apenas nos trazer mais e mais tragédias.
Chega, o nosso país precisa de debate e luz sobre estas questões e não podemos perder mais Glaucos pelo nosso medo do debate.

*Deputado federal (DEM-RS) **Deputada federal (PC do B-RS)

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