segunda-feira, 15 de março de 2010

TRISTES TEMPOS

15 de março de 2010 ZERO HORA N° 16275

Tristes tempos, por Paulo Brossard*

Não faz muito, a casa de moradia era normalmente respeitada. Sagrada sua inviolabilidade, menos porque a Constituição assim o prescrevesse, mas precipuamente porque estava na consciência de todas as pessoas, homens ou mulheres, brancos ou pretos, pobres ou ricos; a casa, fosse de quem fosse, era e tinha de ser respeitada, só algum gatuno seria capaz de enfrentar tal defesa; ora, de certo tempo para cá, as moradias passaram a ser progressivamente gradeadas; há quadras inteiras de muitas ruas em que, por exceção, encontra-se uma ou outra casa sem grades e agora já se tornou corrente dar o mesmo tratamento a prédio de apartamentos, em geral guarnecidos ainda por refinados sistemas de proteção. Por que o fenômeno?
Com efeito, notícia de agora diz que em São Paulo empresas incumbidas da administração de edifícios residenciais decidiram substituir os empregados de portaria por um serviço de segurança, que vai desde a qualificação de seus integrantes com a redução de liberdades tradicionais dos moradores, no sentido de diminuir a faixa de risco que interfere com a segurança.
Tudo porque se foi tornando frequente, senão habitual, a quebra dos velhos padrões, fundados em costumes antigos. A grade disseminada é humilhação. É realmente humilhante que numa cidade onde existem sinais de governo, Executivo, Legislativo e Judiciário, hospitais, colégios, até universidades, igrejas e livrarias tenham de recorrer a grades e já agora a conjuntos elétricos a fim de o morador ter a perspectiva de algum sossego. Quer dizer, uma espécie de febre contagiosa se instalou nas cidades, isto é, nas pessoas que vivem em centros urbanos, e ao entrar em suas casas ficam aferrolhadas sob a custódia de grades.
Em Porto Alegre, por exemplo, o Instituto de Educação General Flores da Cunha foi tantas vezes invadido e roubado (parece que a preferência recaía sobre fios elétricos), que acaba de ser cercado em todos os lados, frente, lados e fundos, por uma tela de regular altura. Uma escola sediada em prédio nobre, adequado à sua destinação, teve de ser envelopado em um aramado. Isto sem falar em monumentos públicos entregues à cidade em homenagem a pessoas beneméritas, cujos bronzes são sistematicamente roubados. O fato, em sua simplicidade objetiva, atesta o grau de degradação cívica e moral que se vai operando no meio social.
Estarei exagerando? Mas hoje se rouba de igrejas e em igrejas; arrancar correndo a bolsa de uma senhora, inclusive de uma senhora idosa, é coisa vulgar; rondar um banco na expectativa de apossar-se da aposentadoria de um velho, que depende dela para viver o mês, não chama mais a atenção; roubar o tênis de um colegial ou o abrigo de uma menina passou a ser rotina.
Coisas dessa ordem se repetem e com tamanha intensidade, que as pessoas se vão habituando à degradação e à indignidade que ela encerra. E esse modelo segurança/insegurança, convertido em fato do dia a dia, recorre a grades para enjaular as pessoas, cada vez mais prisioneiras do crime que fabrica a insegurança. É verdade que hoje existe um fato que se chama droga e que subverte as melhores bases do convívio e da sociedade.
Onde andarão as velhas cadeiras nas calçadas, onde andarão as senhoras que ao anoitecer, após um dia de labor, buscavam em suas casas uma cadeira e nas calçadas ficavam trocando notícias, civilizadamente, sem medo das sombras? Estarão gradeadas também?

*Jurista, ministro aposentado do STF

Um comentário:

  1. Nós, brasileiros, somos um povo extranho. Muito parecidos com alguns povos da Afrika e outros lugares. Não reagimos a nada. Até quando vamos suportar isso tudo? A muito tempo que já deveriamos ter mudado nosso sistema politico, administrativo e judicial. O assunto violência só será resolvido quando cada estado da federação puder fazer suas próprias leis criminais. Mas em vez disso, somos prositutas vivendo de programas: na segurança, pronaci, na educação, prouni. E assim vai, os politicos fingindo que trabalham e nós fingindo que está tudo bem. Até quando? Não sei.

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